Sunday, January 25, 2009

Memo

O dia estava gelado. Comecei a caminhar por uma rua de gravilha, um pouco sem saber onde ia, eterno caminho que se faz só por fazer. Se, no início, tudo me parecia deserto, pouco a pouco me fui deparando com montras abandonadas, cafés antigos repletos de velhos homens que, na sua sábia solidão, liam os seus jornais e fumavam os seus cachimbos. Ao longe um carro acelerava, como se disputasse com outro qualquer carro imaginário o prémio surreal – chegar lá primeiro, mesmo sem saber o que era o “lá”. Continuei a andar, a música que me soprava aos ouvidos embalava-me, fazia com que fosse a única pessoa no mundo a andar na rua só por andar.
Não sei bem onde ia, só sabia o que deixava para trás, o que me parecia um motivo real para não redireccionar os meus passos e, simplesmente, me fazer andar.
Não sei quanto tempo havia passado – minutos, horas talvez? -, quando dou por mim a pisar uma vastidão de areia molhada, como se um qualquer íman imaginário me tivesse atraído àquela praia. Ao meu lado, mas ainda um pouco distantes, dois rafeiros disputavam uma velha garrafa de plástico, como se aquela tivesse significado algum.
Deixei então a música desligar-se por si só. Não que a tivesse, ou quisesse sequer, tê-la desligado, apenas as suas notas e acordes entraram numa sintonia incrível com a sinfonia do vento, o que me causou arrepios e uma tenebrosa sensação de solidão.
Sentei-me na areia, despreocupada com o corpo gelado ou com a onda enfurecida que me poderia inundar o corpo, e deixei-me ser absorvida por aquele quadro pitoresco só meu, que mais ninguém saberia como interpretar.
De repente e, simultaneamente, muito devagarinho, vi-me a ser transportada para outra realidade, para outro mundo. Se o meu corpo continuava ali, sentado à beira-mar deserta, a minha mente, essa, havia fugido para bem longe de mim.
Talvez os rafeiros não se importassem, talvez o dia fosse quente, talvez houvesse movimento se alguém pudesse ver o que eu vi. Um quadro branco e azul, um horizonte saudoso, umas meras fotografias rasgadas despejadas num chão imundo, um grito de horror da boca de um anjo...
Talvez tivesse sido mais fácil, se te sentasses comigo na areia, ao invés de te conformares com a minha eterna e só existência naquela praia que já nos pertenceu.
Levanto-me, determinada a caminhar de regresso ao local de onde vim. Enquanto caminhava sem destino rumo àquela praia, esqueci-me completamente de que é mais difícil percorrer um caminho cujo final já conhecemos. Esqueci-me e, por isso mesmo, nunca me foi tão difícil voltar à origem, ao zero, ao lugar de partida. Talvez amanhã apenas deixe uma nota no céu negro, para não me voltar a esquecer disso.

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