Saturday, April 25, 2009

Não quero saber

Não quero saber
De ti, vendaval,
Vento, pecado inocente
Litoral escondido nas tuas costas
O mar
Em ruínas que se desmonta
E se encaixa
E se perde
E se encontra nos beijos
De sal, de cal
De danças exóticas
Paranóia dos dias adormecidos
E eu
Espectadora do refúgio azul
Sem me esconder, encontras-me
Adormecida, ciente
Do cigarro que se evapora no ar
Não.
Não quero saber.
Se soubesse, diria
Que foste talvez o melhor
E, se em tamanha alegria
Te soubesse de cor
Talvez pensasse
Que afinal queria saber.
Não.
Barulho, pedra fria.
Chega!
Lágrimas tóxicas
Que me limitam a visão
Não.
Não, não, não!
Prefiro acreditar
Que não quero saber
Do que saber que na algibeira
Está a razão.

Friday, February 13, 2009

Não sei.

Não sei porque te amo.
Nunca te quis amar
Nunca quis pensar em ti e,
Soluçando,
Sentir o abandono das palavras
Num olhar.
Não sei porque olho para os teus olhos.
Nunca quis perder-me no lago verde
Selva profunda penetrada por dois clarões
De energia cansada.
Não sei porque te quero,
Qual é a razão de te guardar todos os dias debaixo da cama
E à noite, no silêncio escuro,
Dar-te a mão para ver se ainda lá estás?
Não sei porque desisto.
Se habituada estava às lutas diárias
De me esconder do mundo aos teus olhos.
Não conheço o vento.
Não conheço o vento que te levou os cabelos
Onde todos os dias pousava a mão cansada
De virar páginas da nossa história.
Não sei
De ti, de mim e de nós.
E das músicas que cantavas para a cidade
No telhado, debaixo do luar
Fingindo que cantavas para mim.
Não sei dessas músicas, apesar de ecoarem
Todos os dias na sala vazia da minha saudade.
E de andarem...
De correrem...
De se esconderem no outro lado do mundo, onde tu vives feliz.
Feliz com a infelicidade de já não nos termos.
De já não nos pertencermos.
Não sei porque te amo, não sei.
Ignoro a razão de alimentar tal força que
Inocente, me leva o coração
A cada segundo que morre na minha mente.
Não sei porque rasgo as tuas fotografias,
E, vendo a saudade de saber que sorrias
Pensar que são meros papéis velhos espalhados pelo chão.
Não sei.
Não abandono esta raiva de odiar o amor que ainda sinto por ti.
Não sei porque te amo e,
Porque te odeio tanto,
Não sei.

Saturday, January 31, 2009

Pensamentos-Fantasma

Escrevo sobre o que quero escrever e o que quero escrever não sei. Escrevo com um lápis frágil, e a fragilidade toma conta de mim, consome-me. Como tu.
Acorrentaste-me o espírito sem autorização. Indiquei-te com o meu dedo o caminho e seguraste-me a mão. Dou por mim agora, de corpo cansado, caída na cama, olhando o vazio. Os meus olhos perdem-se na parede branca onde já vi retratos de nós dois, um só, fusão indeterminada de dois opostos independentes.
Saio à rua, acendo um cigarro. Concentro-me nas luzes barulhentas, nos becos escuros, apodrecidos. Dormem no chão os incapazes, voam nos seus pensamentos os heróis – as ilusões, a saudade, a culpa. Um bafo no cigarro e a noite cumprimenta-me. Vejo-te em todas as sombras que escondem as imperfeições do alcatrão, em todas as montras das lojas inacabadas, em todas as recordações que a lua me faz sentir.
De volta ao meu mundo, consegui. Consegui libertar-me do medo de errar, do medo de me calar, de cair num silêncio profundo que nem a fragilidade do lápis consegue quebrar. Tenho a cabeça cheia de ti, caída na suave almofada, procuro a amnésia total, não do que fomos, mas do que nunca iríamos ser. Adormeci, e agora ordeno-te: não tentes sequer acordar-me, deixa-me, por um instante, sonhar. Com o quê, não sei. Mas deixa-me aqui.

Tuesday, January 27, 2009

Não é assim tão simples.

Sinto, num breve virar de costas teu
Onde emanam as cores da dança e do rodopio
A loucura de quem já tudo me deu
Pressinto, viro costas também e sorrio.

Sorrio porque nada mais tenho a chorar
Canto porque também te oiço cantar
Agarro como quem quer prender
Grito, rasgo, amo e mato
Como se não soubesse sofrer.
Olho para ti, vejo restos de mim
Vejo também a força do ódio de tanto te querer.
Esconde-se no doce sussuro
A ânsia de correr atrás
Do tempo e, saltando o muro
Ignorar a queda que tanto me faz.
Quebrar as barreiras que ao longe
Se avistam da neblina do norte
Quebrá-las, porque tenho a força
Quebrá-las porque me deste sorte.
Agarro e...

Solto. E num breve suspiro
Desfaço os nós da corda bamba
Ao longe o fogo arde,
Queima a loucura que agora é branda.
Os olhos fazem por não querer
O corpo faz por não desejar
Ouve-se ao longe um tiro
Questiono-me quem irá matar.

Quem morreu não sei,
Quem eu quero, deixei.
Virei-te as costas, sorridente, e retornei
E se quiseres saber...
Nunca mais me importei.

Sunday, January 25, 2009

Memo

O dia estava gelado. Comecei a caminhar por uma rua de gravilha, um pouco sem saber onde ia, eterno caminho que se faz só por fazer. Se, no início, tudo me parecia deserto, pouco a pouco me fui deparando com montras abandonadas, cafés antigos repletos de velhos homens que, na sua sábia solidão, liam os seus jornais e fumavam os seus cachimbos. Ao longe um carro acelerava, como se disputasse com outro qualquer carro imaginário o prémio surreal – chegar lá primeiro, mesmo sem saber o que era o “lá”. Continuei a andar, a música que me soprava aos ouvidos embalava-me, fazia com que fosse a única pessoa no mundo a andar na rua só por andar.
Não sei bem onde ia, só sabia o que deixava para trás, o que me parecia um motivo real para não redireccionar os meus passos e, simplesmente, me fazer andar.
Não sei quanto tempo havia passado – minutos, horas talvez? -, quando dou por mim a pisar uma vastidão de areia molhada, como se um qualquer íman imaginário me tivesse atraído àquela praia. Ao meu lado, mas ainda um pouco distantes, dois rafeiros disputavam uma velha garrafa de plástico, como se aquela tivesse significado algum.
Deixei então a música desligar-se por si só. Não que a tivesse, ou quisesse sequer, tê-la desligado, apenas as suas notas e acordes entraram numa sintonia incrível com a sinfonia do vento, o que me causou arrepios e uma tenebrosa sensação de solidão.
Sentei-me na areia, despreocupada com o corpo gelado ou com a onda enfurecida que me poderia inundar o corpo, e deixei-me ser absorvida por aquele quadro pitoresco só meu, que mais ninguém saberia como interpretar.
De repente e, simultaneamente, muito devagarinho, vi-me a ser transportada para outra realidade, para outro mundo. Se o meu corpo continuava ali, sentado à beira-mar deserta, a minha mente, essa, havia fugido para bem longe de mim.
Talvez os rafeiros não se importassem, talvez o dia fosse quente, talvez houvesse movimento se alguém pudesse ver o que eu vi. Um quadro branco e azul, um horizonte saudoso, umas meras fotografias rasgadas despejadas num chão imundo, um grito de horror da boca de um anjo...
Talvez tivesse sido mais fácil, se te sentasses comigo na areia, ao invés de te conformares com a minha eterna e só existência naquela praia que já nos pertenceu.
Levanto-me, determinada a caminhar de regresso ao local de onde vim. Enquanto caminhava sem destino rumo àquela praia, esqueci-me completamente de que é mais difícil percorrer um caminho cujo final já conhecemos. Esqueci-me e, por isso mesmo, nunca me foi tão difícil voltar à origem, ao zero, ao lugar de partida. Talvez amanhã apenas deixe uma nota no céu negro, para não me voltar a esquecer disso.